De olhos fechados, mente aberta, ouvidos em alerta esperando para sentir algo que entusiasme ou que simplesmente dê razão a um sentimento. Música não é apenas uma sucessão de sons e silêncio, vai além disso: faz cantar a rotina em estilo livre, faz usar a imaginação. A música faz enaltecer o artista, apresenta uma identidade e é uma forma de expressão que permite inovar, sair da mesmice, quebrar regras. “É simplesmente tudo na minha vida, minha maior alegria”, conta a estudante Mayane Marques Andrew, que é quase uma garota prodígio – com 15 anos de idade toca cerca de 12 instrumentos clássicos. “Não sei ao certo quantos, preciso contar...”, explica.
Em casa, a estudante espalha seus instrumentos. Lá ela abriga saxofone, clarinete, o violino – seu primeiro instrumento, presente do avô -, órgão, teclado e um bombardino. Mas a família sabe conviver com essas paixões da jovem garota, já que a mãe é uma grande incentivadora e o pai também toca saxofone. Sobre o talento precoce, Mayane diz que vez ou outra se surpreende com sua própria capacidade. “Às vezes penso: ‘Puxa, eu to conseguindo isso!’, porque eu sei que não é tão fácil tocar alguns instrumentos que toco”, reconhece.
“Se tocar algum instrumento já um desafio, imagine então para um deficiente visual”, diz a professora de música, Teresa Cristina Pinheiro Graça, que leciona a disciplina no Centro de Atendimento Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP-DV), em Campo Grande. Ela demonstra que uma expressão artística, como a música, é uma incrível ferramenta de desenvolvimento para um ser humano com limitações. No centro, ela dá aulas de teclado, canto coral e flauta doce para crianças e adultos cegos e com baixa visão.
Para a professora, mais do que colaborar com o aperfeiçoamento das habilidades motoras, a música contribui na socialização: “é importante o desenvolvimento de todo o lado cognitivo e da capacidade motora do estudante, porém o que eles mais sentem prazer é na interação, quando podem se apresentar ao público. São pessoas que sentem falta do convívio social e as apresentações proporcionam essa troca”, diz Teresa, contente por ser uma das responsáveis em fazer com que os estudantes se sintam inseridos na sociedade e capazes, encantando outras pessoas por meio de sentidos que vão além do olhar.
Quebrada uma barreira, outros desafios podem ser enfrentados facilmente. A professora Teresa observa em seus alunos a vontade de ir ainda mais longe motivados pela segurança que a música lhes proporciona, procurando até mesmo especializações. Ela diz que alguns dos estudantes já se preparam para o vestibular com o objetivo de ter uma formação acadêmica nesta área. “Isso demonstra que é uma disciplina que ajuda também na inserção profissional. A música é uma arte que trabalha a mente e o raciocínio e sempre temos notícias de alunos que apresentam grandes avanços também na escola”, afirma.
Esforço e interesse são importantes características dos alunos da professora Teresa. Emocionada ela diz que nem todos sabem ler em braille – um sistema de escrita para cegos –, portanto cada um acaba dando um jeito de apreender os conhecimentos oferecidos pela educadora. “Ensinar música para eles é como uma alfabetização, não são todos que sabem braille, então dão seu jeito, alguns trazem gravador para ouvir as músicas depois e as lições que eu falo nas aulas. Mas a maior emoção é durante as apresentações; alguns chegam a chorar. É uma lição muito grande em ver a satisfação no sorriso deles”, comenta Teresa a respeito do valor que ela dá ao trabalho que também a inspira a amar ainda mais a arte que ensina.
Paixão
foto: Edemir Rodrigues
Intensos sentimentos são provocados através da música, seja ensinando, aprendendo ou criando. Primeiro a letra, depois a melodia, ou vice-versa, o processo criativo também é uma forma de inserir os próprios sentidos na materialidade abstrata de uma canção. Como a música reflete sentimento, vários compositores conseguem transmitir muito do que estão sentindo ao se expressar nas letras de suas canções. Uma das mais belas músicas sul-mato-grossenses, Cunhatiporã, foi composta por Geraldo Espíndola (foto) motivado pela paixão que sentia pela esposa e inspirado pelas belezas da natureza regional. Neste caso dois intensos amores foram matéria-prima para a confecção de uma obra-prima da música de Mato Grosso do Sul.
“Cunhataiporã é uma canção composta em 1976, fiz ela para minha esposa viajando de trem de Corumbá para Ponta Porã, uma viajem que sempre fazíamos. Essa música é um relicário que a gente ama e preserva, além de tudo fala da terra a que pertenço. Eu amo a minha terra, por isso faço este tipo de canção”, afirma Geraldo, relacionado seus amores.
Contudo, como toda forma de arte, a música também abre brechas para ser reinventada e nunca está avessa a novas idéias.
O novo
foto: Edemir Rodrigues
No sentido de ter esta expressão artística como ferramenta de inovação, o músico paraguaio Sérgio Banana Pereira (foto) apresenta sua proposta: “Para mim a música também é um caminho para renovar antigas tradições”, pensa o artista, vocalista da banda La Secreta que traz a música latina, especialmente a polca, com uma atitude rock and roll.
A vertente apresentada pela banda mescla até canções de Bob Marley em ritmo de polca paraguaia. “Porque o raggae cai justinho na polca, são dois ritmos que casam”, explica o vocalista. “No Paraguai a polca é um ritmo que atinge pessoas desde os pequeninos até os mais velhos e a nossa proposta traz uma nova cara para essa música, resgata, leva a canção latina para muito mais gente”, diz.